NO CASO DE CESSÃO DO PRECATÓRIO
Como ficará a tributação do precatório de natureza alimentar sujeito ao regime do RRA

A cessão de crédito não altera a natureza do precatório de comum para alimentar ou de alimentar para comum nem altera a modalidade da requisição de precatório para requisição de pequeno valor, conforme dispõe o artigo 22 da Resolução 458/2017 do CJF.
Assim, o crédito líquido e certo, decorrente de ação judicial e materializado por meio de precatório, mantém a natureza jurídica do fato que lhe deu origem, mesmo quando transferido a outrem com base em cessão do direito de crédito.
No que se refere à tributação dos precatórios no caso de cessão de crédito, a Receita Federal apresenta o entendimento a seguir exposto:
SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 674, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2017
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA - IRPF EMENTA: GANHO DE CAPITAL. RRA. CESSÃO DE CRÉDITO. PRECATÓRIO. Havendo cessão do direito de crédito, relativo a rendimentos recebidos acumuladamente (RRA), a que se refere o art. 12-A da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, decorrente de ação judicial e materializado por meio de precatório, tanto o cedente quanto o cessionário deverão apurar o ganho de capital, sobre o qual incide imposto sobre a renda à alíquota de 15% (quinze por cento). O ganho de capital é tributado separadamente, não integra a base de cálculo do imposto na declaração de rendimentos, e o valor do imposto pago não poderá ser deduzido do devido no ajuste anual.
CEDENTE. CUSTO DE AQUISIÇÃO. VALOR DE ALIENAÇÃO. Na cessão original, ou seja, naquela em que ocorre a primeira cessão de direitos, a pessoa física cedente deve apurar o ganho de capital considerando o custo de aquisição igual a zero, porquanto não existe valor pago pelo direito ao crédito; nas cessões subsequentes, o custo de aquisição será o valor pago pelo direito. O valor de alienação será o montante que o cedente receber do cessionário pela cessão de direitos do crédito.
CESSIONÁRIO. CUSTO DE AQUISIÇÃO. VALOR DE ALIENAÇÃO. A pessoa física cessionária deve apurar o ganho de capital considerando como custo de aquisição o valor pago ao cedente, quando da aquisição da cessão de direitos do crédito. O valor de alienação será a importância líquida recebida, descontado o imposto sobre a renda retido na fonte, por ocasião do recebimento do precatório, e excluídas eventuais deduções legais.(…)
Ocorre que, pelo entendimento da Receita Federal, o valor é duplamente tributado, ocorrendo o “bis in idem”, vez que há o imposto retido na fonte e o imposto referente ao suposto ganho de capital. Ademais, a Receita Federal incorre em erro ao determinar que o cedente deverá recolher imposto sobre o ganho de capital, conforme se demonstrará.
Nos termos do art. 114 do CTN, "fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência". Segundo o art. 43, do CTN, o fato gerador do Imposto de Renda, em seu critério material da hipótese de incidência, é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
Para que haja a disponibilidade econômica, basta que o patrimônio resulte economicamente acrescido por um direito, ou por um elemento material, identificável como renda ou como proventos de qualquer natureza. Não importa que o direito ainda não seja exigível (um título de crédito ainda não vencido), ou que o crédito seja de difícil liquidação. O que importa é que possam ser economicamente avaliados e, efetivamente, acresçam o patrimônio.
Não se pode confundir disponibilidade econômica com a disponibilidade financeira. Aquela se contenta com o simples acréscimo patrimonial, independentemente da efetiva existência dos recursos financeiros, enquanto esta pressupõe a existência física dos recursos em caixa. O CTN exige apenas a aquisição da disponibilidade econômica, o que não quer dizer que a lei ordinária não possa, na prática, privilegiar exclusivamente a disponibilidade financeira, como faz, de um modo geral, com as pessoas físicas.
O precatório é o título expedido pelo juiz da execução ao Presidente do Tribunal respectivo a fim de que, por seu intermédio, seja enviado o ofício de requisição de pagamento para a pessoa jurídica de direito público obrigada. Sendo assim, o precatório veicula um direito cuja aquisição da disponibilidade econômica e jurídica já se operou com o trânsito em julgado da sentença a favor de um determinado beneficiário. Não por outro motivo que esse beneficiário pode realizar a cessão do crédito.
Desse modo, o momento em que nasce a obrigação tributária referente ao Imposto de Renda é anterior ao pagamento do precatório e essa obrigação já nasce com a sujeição passiva determinada pelo titular do direito que foi reconhecido em juízo (beneficiário), não podendo ser modificada pela cessão do crédito, por força do art. 123, do CTN.
Portanto, o pagamento efetivo do precatório é apenas a disponibilidade financeira do valor correspondente, o que seria indiferente para efeito do Imposto de Renda não fosse o disposto no art. 46 da Lei nº 8.541/92 (art. 718 do RIR/99) que elenca esse segundo momento como sendo o critério temporal da hipótese de incidência do Imposto de Renda:
Art. 46. O imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial será retido na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma, o rendimento se torne disponível para o beneficiário.
Destarte, no momento em que o credor originário cede o crédito consubstanciado no precatório, está cedendo o direito ao recebimento do rendimento que lhe será pago nos termos do art. 46 da Lei nº 8.541/92, ocasião em que (momento do pagamento) ocorrerá o critério temporal da hipótese de incidência do Imposto de Renda em relação ao beneficiário (cedente), havendo a retenção do tributo na fonte.
Assim, ainda que o cessionário tenha se sub-rogado no direito materializado no precatório por meio de cessão de crédito, o Imposto de Renda retido na fonte será aquele devido pelo beneficiário original, tendo em vista que não é possível ao cedente transmitir ao terceiro adquirente parte do crédito relativa à parcela correspondente ao Imposto de Renda a ser retido na fonte, haja vista que tais valores, em última análise, não lhe pertencem, pois o valor que lhe caberá pressupõe a dedução na fonte do Imposto de Renda.
Corroborando, se o cedente obtivesse ganho de capital quando da alienação do seu precatório, sobre referido ganho incidiria o Imposto de Renda na forma do artigo 117 do CTN. No entanto, é sabido que as operações de cessão de direitos creditórios se dão sempre com deságio, não havendo o que ser tributado em relação ao preço recebido pela cessão do crédito. Nesse sentido, já se pronunciou o STJ:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PRECATÓRIO. CESSÃO DE CRÉDITO. 1. O recebimento de valor correspondente à contrapartida de cessão de crédito de precatório já tributado pelo IRPF como rendimento salarial não enseja nova incidência do imposto (ganho de capital) quando a operação envolve deságio. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1792613/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/08/2021, DJe 26/08/2021).
TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CESSÃO DE CRÉDITO DE PRECATÓRIO COM DESÁGIO. AUSÊNCIA DE GANHO COM CAPITAL. NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a alienação de precatório com deságio não implica ganho de capital, razão por que não há o que ser tributado em relação ao valor recebido pela cessão do crédito. Precedentes; REsp 1.704.367/RJ, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 9.12.2019; AgInt no REsp 1.768.681/RJ, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 11.12.2018; AgInt no REsp 1716443/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/05/2020, DJe 25/05/2020. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1.824.282/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 3/5/2021, DJe 5/5/2021).
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO AOS ART. 165, 458 E 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS.
333 E 334 DO CPC. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 284 DO STF. DIVERGÊNCIA INTERPRETATIVA NÃO DEMONSTRADA NA FORMA DO ART. 255 DO RISTJ.
AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO ENTRE OS CASOS COMPARADOS. PRECATÓRIO. IMPOSTO DE RENDA. ART. 43 DO CTN. CRITÉRIO MATERIAL DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA ANTERIOR AO PAGAMENTO. CRITÉRIO TEMPORAL DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA. ART. 46 DA LEI Nº 8.451/92. CESSÃO PARCIAL DO CRÉDITO. POSSIBILIDADE. ARTS. 100, § 13, DA CONSTITUIÇÃO E 286 DO CC/
02. ART.
123 DO CTN. MANUTENÇÃO DA SUJEIÇÃO PASSIVA DO CEDENTE QUANDO DO PAGAMENTO DO PRECATÓRIO OBJETO DE CESSÃO. ORIENTAÇÃO ADOTADA PELA SEGUNDA TURMA DESTA CORTE NOS AUTOS DO RMS 42.409/RS, JULGADO EM 6.10.2015.
1. Afastada a alegada ofensa aos arts. 165, 458 e 535, II, do CPC, tendo em vista que o acórdão recorrido se manifestou de forma clara e fundamentada sobre a questão posta a deslinde.(…)
4. O critério material da hipótese de incidência do Imposto de Renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza (art. 43, do CTN).
5. Como já mencionado em outra ocasião por esta Corte, "não se deve confundir disponibilidade econômica com disponibilidade financeira. Enquanto esta última (disponibilidade financeira) se refere à imediata 'utilidade' da renda, a segunda (disponibilidade econômica) está atrelada ao simples acréscimo patrimonial, independentemente da existência de recursos financeiros" (REsp. Nº 983.134 - RS, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 3.4.2008).
6. O precatório é a carta (precatória) expedida pelo juiz da execução ao Presidente do Tribunal respectivo a fim de que, por seu intermédio, seja enviado o ofício de requisição de pagamento para a pessoa jurídica de direito público obrigada. Sendo assim, é um documento que veicula um direito de crédito líquido, certo e exigível proveniente de uma decisão judicial transitada em julgado. Em outras palavras: o precatório veicula um direito cuja aquisição da disponibilidade econômica e jurídica já se operou com o trânsito em julgado da sentença a favor de um determinado beneficiário. Não por outro motivo que esse beneficiário pode realizar a cessão do crédito.
7. Desse modo, o momento em que nasce a obrigação tributária referente ao Imposto de Renda com a ocorrência do seu critério material da hipótese de incidência (disponibilidade econômica ou jurídica) é anterior ao pagamento do precatório (disponibilidade financeira) e essa obrigação já nasce com a sujeição passiva determinada pelo titular do direito que foi reconhecido em juízo (beneficiário), não podendo ser modificada pela cessão do crédito, por força do art. 123, do CTN: "Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes".
8. O pagamento efetivo do precatório é apenas a disponibilidade financeira do valor correspondente, o que seria indiferente para efeito do Imposto de Renda não fosse o disposto no art. 46 da Lei nº 8.541/92 (art. 718 do RIR/ 99) que elenca esse segundo momento como sendo o momento do pagamento (retenção na fonte) do referido tributo ou o critério temporal da hipótese de incidência.
9. É possível a cessão de direito de crédito veiculado em precatório (art. 100, §13, da CF/88), contudo, sua validez e eficácia submete-se às restrições impostas pela natureza da obrigação (art. 286, do CC/2002).
10. Sendo assim, o credor originário do precatório é o "beneficiário" a que alude o art. 46 da Lei nº 8.541/92 (art. 718 do RIR/99), desimportando se houve cessão anterior e a condição pessoal do cessionário para efeito da retenção na fonte, até porque o credor originário (cedente) não pode ceder parte do crédito do qual não dispõe referente ao Imposto de Renda a ser retido na fonte.
11. Em relação ao preço recebido pelo credor originário no negócio de cessão do precatório, nova tributação ocorreria se tivesse havido ganho de capital por ocasião da alienação do direito, nos termos do art. 117 do RIR/ 99. No entanto, é sabido que essas operações se dão sempre com deságio, não havendo o que ser tributado.
12. Precedente: RMS nº 42.409/RJ, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 16.10.2015. 13. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 1505010/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 09/11/2015)
Assim, nos casos de precatórios de natureza alimentar, referentes à valores recebidos acumuladamente, a tributação se dará pelo número de meses (RRA), sendo a retenção do imposto de renda devido feita em nome do cedente.
Já os cessionários, estarão submetidos ao determinado na Lei 8.981/95, e deverão apurar o ganho de capital referente à cessão de direito creditório realizada, em separado e de modo exclusivo, integrando o ajuste anual, não podendo tal pagamento ser deduzido do devido na declaração.
Art. 21. O ganho de capital percebido por pessoa física em decorrência da alienação de bens e direitos de qualquer natureza sujeita-se à incidência do imposto sobre a renda, com as seguintes alíquotas: (Redação dada pela Lei nº 13.259, de 2016) Produção de
I - 15% (quinze por cento) sobre a parcela dos ganhos que não ultrapassar R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); (Incluído pela Medida Provisória nº
I - 15% (quinze por cento) sobre a parcela dos ganhos que não ultrapassar R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais); (Redação dada pela Lei nº 13.259, de 2016) Produção de efeito
II - 20% (vinte por cento) sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e não ultrapassar R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais); (Incluído pela Medida Provisória nº 692, de
II - 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento) sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e não ultrapassar R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); (Redação dada pela
Lei nº 13.259, de 2016) Produção de efeito
III - 25% (vinte e cinco por cento) sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e não ultrapassar R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); e (Incluído pela Medida Provisória nº 692, de
III - 20% (vinte por cento) sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e não ultrapassar R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais); e (Redação dada pela Lei nº
IV - 30% (trinta por cento) sobre a parcela dos ganhos que ultrapassar R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais). (Incluído pela Medida Provisória nº 692,
IV - 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento) sobre a parcela dos ganhos que ultrapassar R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais). (Redação dada pela Lei nº 13.259, de 2016)
§ 1º O imposto de que trata este artigo deverá ser pago até o último dia útil do mês subseqüente ao da percepção dos ganhos.
§ 2º Os ganhos a que se refere este artigo serão apurados e tributados em separado e não integrarão a base de cálculo do Imposto de Renda na declaração de ajuste anual, e o imposto pago não poderá ser deduzido do devido na declaração.
Assim, não pode o negócio jurídico afastar a tributação na fonte dos rendimentos tributáveis relativos ao precatório no momento em que for quitado pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos municípios, sendo o CEDENTE o beneficiário de tais rendimentos, devendo assim ser informado na Declaração do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (Dirf) da fonte pagadora, o seu nome e não o do cessionário. Do mesmo modo, não há que se falar em ganho de capital por parte do cedente, eis que a cessão do precatório é operada com deságio, não havendo o que ser tributado em relação ao preço recebido pelo negócio jurídico.