TRIBUTAÇÃO DOS JUROS NOS PRECATÓRIOS

23.11.2021 - Artigos
TRIBUTAÇÃO DOS JUROS NOS PRECATÓRIOS

Os juros de mora traduzem indenização por danos emergentes, porquanto visam recompor a perda patrimonial efetiva causada com o pagamento tardio, conforme o artigo 404 e seguintes do Código Civil. No que tange ao caráter indenizatório dos juros de mora, assim decidiu o STJ:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DO PLANO DE SEGURIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO (PSS). RETENÇÃO. VALORES PAGOS EM CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL (DIFERENÇAS SALARIAIS). INEXIGIBILIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SOBRE A PARCELA REFERENTE AOS JUROS DE MORA.

1. O ordenamento jurídico atribui aos juros de mora a natureza indenizatória. Destinam-se, portanto, a reparar o prejuízo suportado pelo credor em razão da mora do devedor, o qual não efetuou o pagamento nas condições estabelecidas pela lei ou pelo contrato. Os juros de mora, portanto, não constituem verba destinada a remunerar o trabalho prestado ou capital investido. [...] 5. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 543-C do CPC, c/c a Resolução 8/2008 - Presidência/STJ. (REsp 1239203/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2012, DJe 01/02/2013).

 Ademais, o Direito Tributário constitui um direito de sobreposição, mantendo estreita conexão com disciplinas integrantes de Direito Privado. Assim, utilizam-se princípios de direito privado para a interpretação de suas normas, bem como conceitos desse domínio para a configuração das materialidades tributárias, o que se reflete na importância do regramento contido no art. 109 e, especialmente, no art. 110 do Código Tributário Nacional.

Dessa forma, os juros moratórios são apreendidos pelo Direito Tributário com a mesma significação que apresentam em seu domínio de origem. Posto isso, visando os juros moratórios a reparação das perdas efetivamente sofridas pelo credor em virtude da mora do devedor, como o proclama a lei civil, não configuram, portanto, riqueza nova, acréscimo patrimonial a ensejar a incidência do Imposto sobre a Renda.

Com efeito, os juros de mora não se ajustam aos conceitos constitucionais de renda e proventos de qualquer natureza, nem às materialidades do respectivo imposto, descritas no art. 43, I e II, do Código Tributário Nacional, porquanto, à evidência, não configuram produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, não configuram acréscimo patrimonial tributável, nem tampouco podem qualificar-se como remuneração percebida pela pessoa física na inatividade – os proventos de qualquer natureza.

Acresça-se que, diante de seu inegável caráter indenizatório, correspondente ao ressarcimento da perda patrimonial efetiva experimentada pelo credor, os juros moratórios são inalcançáveis pelo Imposto sobre a Renda, mesmo quando o crédito principal consubstanciar acréscimo patrimonial e, assim, sujeito à tributação.

Por outro lado, a impossibilidade de tributação dos juros moratórios, ressalte-se, independe da existência de qualquer regra de isenção, pois sua natureza de indenização por danos emergentes escapa ao alcance da regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Renda, constitucionalmente contemplada, bem como da especificação de suas materialidades, desenhada no art. 43 do Código Tributário Nacional.

No REsp 1.227.133/RS, julgado sob o rito do artigo 543-C do CPC (repercussão geral), ficou consignado o entendimento de que os juros de mora possuem natureza indenizatória, razão pela qual não é devida a exação. Como houve divergência entre os fundamentos adotados pelos Ministros componentes da Primeira Seção, esclareceu-se em Embargos de Declaração que o IR não incide nos casos relativos às verbas reconhecidas em Reclamatórias Trabalhistas:

"RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JUROS DE MORA LEGAIS. NATUREZA INDENIZATÓRIA. VERBAS TRABALHISTAS. NÃO INCIDÊNCIA OU ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA.- Não incide imposto de renda sobre os juros moratórios legais vinculados a verbas trabalhistas reconhecidas em decisão judicial. Recurso especial, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, improvido." Embargos de declaração acolhidos parcialmente. (EDcl no REsp 1227133/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 02/12/2011).

Salienta-se que o entendimento exarado no Recurso Especial transcrito, foi consolidado, em sede de Repercussão Geral, no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - TEMA 808:

EMENTA Recurso extraordinário. Repercussão Geral. Direito Tributário. Imposto de renda. Juros moratórios devidos em razão do atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função. Caráter indenizatório. Danos emergentes. Não incidência. 1. A materialidade do imposto de renda está relacionada com a existência de acréscimo patrimonial. Precedentes. 2. A palavra indenização abrange os valores relativos a danos emergentes e os concernentes a lucros cessantes. Os primeiros, correspondendo ao que efetivamente se perdeu, não incrementam o patrimônio de quem os recebe e, assim, não se amoldam ao conteúdo mínimo da materialidade do imposto de renda prevista no art. 153, III, da Constituição Federal. Os segundos, desde que caracterizado o acréscimo patrimonial, podem, em tese, ser tributados pelo imposto de renda. 3. Os juros de mora devidos em razão do atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função visam, precipuamente, a recompor efetivas perdas (danos emergentes). Esse atraso faz com que o credor busque meios alternativos ou mesmo heterodoxos, que atraem juros, multas e outros passivos ou outras despesas ou mesmo preços mais elevados, para atender a suas necessidades básicas e às de sua família. 4. Fixa-se a seguinte tese para o Tema nº 808 da Repercussão Geral: “Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função”. 5. Recurso extraordinário não provido. (RE 855091, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-064 DIVULG 07-04-2021 PUBLIC 08-04-2021)

Corroborando, o Egrégio TRF4, por meio da sua Corte Especial (Plenário) reconheceu “a não recepção do parágrafo único do art. 16 de Lei nº 4.506/64 pela Constituição de 1988 e declarou a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/1988 e do art. 43, inciso II, § 1º do Código Tributário Nacional, de forma a afastar a incidência do imposto de renda (IRPF) sobre os juros de mora legais recebidos, dada a natureza indenizatória da verba” (Arguição de Inconstitucionalidade nº 5020732-11.2013.404.0000, Relatora Desembargadora Luciane Amaral Corrêa Münch).

Conforme a Desembargadora relatora da arguição de inconstitucionalidade no TRF-4, o caso analisado é o da incidência do Imposto de Renda sobre uma verba recebida por contribuinte prejudicado com a mora “que gerou o recebimento de juros de mora, os quais têm a única e exclusiva finalidade de compensar, reparar, a demora do pagamento”.

Segundo a magistrada, deve-se, como medida de justiça e para não afrontar a isonomia entre contribuintes, “desonerar da incidência do IR os juros de mora, de forma a não subtrair dos contribuintes prejudicados com a demora do pagamento a parte da indenização/reparação por este adimplemento em atraso”.

A demora no pagamento de verba trabalhista, salarial e previdenciária - afirma o voto - "impõe ao credor a privação de bens essenciais, podendo ocasionar até mesmo seu endividamento a fim de cumprir os compromissos assumidos". Assim - segundo a relatora - "a indenização, por meio de juros moratórios, visa à compensação das perdas sofridas pelo credor em virtude da mora do devedor”.

À vista do raciocínio ora desenvolvido, a exigência de Imposto de Renda sobre juros moratórios apresenta-se indevida, independentemente da natureza do crédito principal a que se refiram, porquanto não compatível com os ditames constitucionais e do Código Tributário Nacional, que apontam sua natureza de indenização por danos emergentes, destinada à reparação de prejuízo efetivo.

Em síntese, o cenário apresentado aponta as seguintes conclusões:

1. Os juros moratórios, a teor do art. 404 do Código Civil, constituem indenização por danos emergentes, os quais, por força do art. 110 do Código Tributário Nacional, assim devem ser considerados no âmbito tributário; 2. Os juros de mora não se sujeitam à incidência do Imposto de Renda, diante da materialidade deste, insculpida na Constituição (art. 153, III) e explicitada no Código Tributário Nacional (art. 43), pois: a) não traduzem renda, porquanto não resultam do capital, do trabalho, nem da combinação de ambos; e b) também não constituem proventos de qualquer natureza, os quais correspondem às remunerações advindas da inatividade (aposentadoria e pensão); e

3. Em consequência, os juros moratórios estão fora do alcance do Imposto sobre a Renda, configurando hipótese de não incidência, independentemente da natureza, tributável ou não, do crédito principal. O art. 16, parágrafo único, da Lei n. 4.506/64, bem como dispositivos legais afins, não têm o condão de sujeitar os juros moratórios ao Imposto sobre a Renda, uma vez não autorizada sua incidência pela Constituição da República (art. 153, III) e pelo Código Tributário Nacional (art. 43). Igualmente, irrelevantes as equivocadamente denominadas “isenções” de juros moratórios contempladas em lei, porquanto trata-se de autênticas hipóteses de não incidência tributária.

Assim, os juros de mora são de natureza indenizatória, e não fruto do capital ou do trabalho, sendo indevida a retenção do Imposto de Renda relativo a tais valores, visto que eles apenas reconstituem a perda patrimonial, sem que isso implique em aumento patrimonial, o que afasta a incidência do IR.

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